Tratamento de dados: onde nasce a análise

No mundo real, os dados não vêm num CSV perfeito como nos exemplos dos cursinhos.

Ana Almeida

10/3/20254 min read

No post anterior, vimos que a construção de um dashboard estratégico começa antes dos gráficos: entender o objetivo, quem é o usuário principal e qual será a frequência de atualização.

Agora, entramos na parte que separa os amadores dos profissionais: o tratamento dos dados.

Esse é o momento em que o analista deixa de ser apenas alguém que mexe em tabelas e passa a ser um construtor de informação relevante.

1. Coleta não é copiar e colar

No mundo real, os dados não vêm num CSV perfeito como nos exemplos dos cursinhos. Eles estão espalhados em planilhas mal formatadas, sistemas que não se falam e formulários cheios de campos em branco. Por isso, antes de pensar em tratamento, você precisa entender de onde vêm os dados e quão confiáveis são.

Pergunte:

  • Quem gera esses dados?

  • Com que frequência eles são atualizados?

  • Existe algum controle de qualidade na origem?

🔎 Exemplo real: em uma consultoria de obras, descobrimos que a maior parte dos erros de medição vinha de anotações manuais em campo. Em vez de gastar horas tratando depois, redesenhamos o formulário de coleta para evitar duplicidades e padronizar a entrada.

Quanto mais atenção na coleta, menos dor de cabeça no tratamento.

E lembre-se também, quanto mais manual for o preenchimento das informações, maior é a chance de erro e de dado incompleto. Sempre prefira arquivos de sistemas, bases prontas, etc.

2. Limpeza: o detox dos dados

Aqui entram os processos de padronização e limpeza:

  • Remover duplicados.

  • Tratar valores nulos (decidir se preenche, descarta ou substitui).

  • Padronizar formatos (datas, moedas, nomes de categorias).

  • Criar consistência (por exemplo, “SP”, “São Paulo” e “S. Paulo” precisam ser uma coisa só).

  • Verifique dados estranhos, muito acima ou abaixo do normal. Aqui costumamos elaborar perguntas sobre as bases para verificar a coerência. Por exemplo, quantos engenheiros tem em cada projeto, qual o valor total das vendas do mês de janeiro, etc.

Essa etapa pode parecer “chata”, mas é onde se ganha confiança. Um dado sujo pode comprometer todo o dashboard — e a credibilidade do analista.

Dica prática: sempre documente as transformações feitas. Um “log de limpeza” e um dicionário de dados evita discussões futuras do tipo “esse número não bate com o meu relatório”.

3. Enriquecimento

Tratar não é só limpar. Muitas vezes é necessário enriquecer a base para responder melhor às perguntas definidas no planejamento. Isso pode significar:

  • Criar novas variáveis (ex.: calcular ticket médio a partir de receita e número de clientes).

  • Cruzar com outras fontes (ex.: integrar vendas com dados de clima para entender impacto da chuva).

  • Gerar segmentações úteis (ex.: classificar clientes em faixas de valor ou frequência de compra).

  • Verifique a coerência desses dados e sempre pergunte por que tal informação é útil, se ela faz sentido, por que ela acontece dessa forma e vá atrás das respostas.

  • Se necessário, procure as pessoas que mais conhecem aquela informação para ter outro ponto de vista.

Aqui é onde o analista deixa de ser “executor” e vira estrategista. Você não está só limpando dados, está criando uma base que conversa com o objetivo definido lá na parte 1.

4. Modelagem: integrar para não se perder

Esse é o ponto que mais causa dor de cabeça: como juntar tudo em uma estrutura lógica e confiável? A modelagem é o esqueleto que sustenta o dashboard, e sem ela o painel vira uma colcha de retalhos.

Alguns princípios básicos:

  • Relacionamentos claros: defina chaves únicas (IDs) para conectar tabelas sem ambiguidade. O CPF, por exemplo, é um valor que identifica uma pessoa.

  • Separação de fatos e dimensões: mantenha em uma tabela os registros de eventos (vendas, transações, ocorrências) e em outras as dimensões (clientes, produtos, datas). Esse é o famoso modelo estrela.

  • Granularidade única: não misture dados em níveis diferentes sem critério (ex.: vendas diárias junto com metas mensais). Defina a menor unidade de análise e respeite-a.

  • Normalização inteligente: não precisa buscar um modelo acadêmico perfeito, mas evite duplicar informações desnecessárias.

Exemplo: em uma empresa de logística, tínhamos três sistemas diferentes: frota, manutenção e financeiro. Sem modelagem, cada dashboard contava uma história diferente. Ao organizar um modelo estrela com tabelas de fatos (viagens, custos) ligadas a dimensões (veículos, rotas, períodos), conseguimos unificar a visão.

5. Automação: não reinvente a roda

Se você precisa repetir a limpeza e integração todos os meses de forma manual, seu processo já nasceu errado. Mesmo que suas bases sejam pequenas, ou tenha poucos processos para fazer, sempre pense em fazer uma análise que funcione para cem linhas como para cem milhões, afinal é muito comum ver processos que param de funcionar porque o volume aumentou ou houve uma mudança no processo. Ferramentas como Power Query, Python (pandas) e até macros do Excel podem automatizar boa parte da preparação, liberando tempo para pensar no que realmente importa: a análise.

Exemplo: em um cliente de RH, o relatório mensal consumia 3 dias de trabalho manual. Automatizamos as etapas de unificação, limpeza e modelagem com Power Query. O tempo caiu para 20 minutos. Resultado: mais tempo para analisar esses dados.

Conclusão

Um dashboard não começa no visual bonito, mas na confiança dos dados que o sustentam. Se a coleta é confusa, a limpeza descuidada e a modelagem mal feita, qualquer gráfico será apenas maquiagem.

Enquanto alguns analistas entregam dashboards “de enfeite”, os melhores entregam informação confiável que vira ação estratégica.

No próximo post, vamos entrar no momento mais esperado: como transformar essa base tratada em um painel visual que seja claro, útil e inspirador para quem decide.